[Papo Cabeça] O futuro de Blade Runner, segundo Philip K. Dick

blade runner [Papo Cabeça] O futuro de Blade Runner, segundo Philip K. Dick

Hoje não se discute o fato de o filme Blade Runner (1982) ser um dos maiores marcos da história da ficção científica. Mas nem sempre foi assim. O filme de Ridley Scott foi uma das grandes expectativas de sucesso de bilheteria de seu ano de lançamento, mas o clima pesado e deprimente do filme, aliado à trama filosófica e hiperrealista, marcasse um enorme ponto de interrogação nas cabeças nos poucos que foram assistir ao filme nos cinemas.

Blade Runner encontrou sobrevida no recém-lançado mercado de video e na TV a cabo dos anos 80, quando, graças à repetição e a seu visual de cair o queixo (além de um elenco formado por grandes promessas da época – Harrison Ford, Sean Young, Rudger Hauer), inaugurou o conceito de “filme de culto”. Graças a esse novo status, Blade Runner ainda pode ser relançado diversas vezes, lançando também o conceito de “versão do diretor”, diferente daquela que foi lançada comercialmente.

Mas se alguém já havia percebido o potencial de Blade Runner, este alguém era o autor da obra que havia inspirado o filme. O livro O Caçador de Andróides (ou, em inglês, Do Android Dream of Electric Sheep? – Andróides sonham com ovelhas elétricas?), de Philip K. Dick, foi a primeira adaptação da obra do clássico autor de ficção científica para o cinema, apresentado pela primeira vez a seu universo de dúvidas existencialistas e questões filosóficas disfarçadas de historinhas de robôs, alienígenas e drogas sintéticas.

Blade Runner é uma história de detetive cujo protagonista, Rick Deckard, é delegado a eliminar andróides (ou “replicantes”, em seu universo) da série Nexus 6, que se infiltraram entre os humanos. O que começa como uma história de gato e rato logo ganha contornos épicos sobre a natureza da consciência e o que faz de cada um de nós humanos. O filme ainda contava com efeitos especiais de ponta, trazendo para a Terra toda uma visão apocalíptica e desoladora de um futuro hipercomercial e sem a menor preocupação com o meio ambiente. K. Dick, que morreria no mesmo ano de estréia do filme, sem conseguir assistir à sua versão final, assistiu a um trecho dos bastidores em um programa de TV e escreveu a seguinte carta ao produtor Jeff Walker, que pode ser encontrada no site que a família do autor mantém sobre sua obra:

pkd bladerunner [Papo Cabeça] O futuro de Blade Runner, segundo Philip K. Dick

Caro Jeff:

Assisti ao programa Hooray for Hollywood, que passou hoje à noite no canal 7, com uma matéria sobre BLADE RUNNER (bem, para ser honesto, eu não assisto a esse programa; alguém me avisou que iriam fazer uma matéria sobre BLADE RUNNER e que seria bom se eu assistisse). Jeff, depois de assistir – e especialmente depois de ouvir Harrison Ford discutir o filme -, cheguei à conclusão que isso não é ficção científica; e que não é fantasia; isso é exatamente aquilo que Harrison disse: futurismo. O impacto de BLADE RUNNER será simplesmente surpreendente, tanto no público quanto nas pessoas criativas – e, eu acredito, na ficção científica como um todo. Desde que comecei a escrever e a vender obras de ficção científica há trinta anos que isso é algo importante para mim. Devo dizer com toda franqueza que esta área gradualmente e permanentemente vem se deteriorando nos últimos anos. Nada que fizemos, individualmente ou coletivamente, chega aos pés de BLADE RUNNER. Não é escapismo; é super-realismo, tão realista e detalhado e autêntico e convicnente que, bem, depois de assistir ao programa eu reencontrei pálida, por comparação, a minha “realidade” atual. O que quero dizer é que todos vocês podem ter criado coletivamente uma forma única de expressão artística e gráfica que nunca foi vista. E, eu acho, BLADE RUNNER pode revolucionar nossos conceitos sobre o que é a ficção científica e, mais, o que ela pode ser.

Deixe-me resumir desta forma. A ficção científica preparou lenta e inevitavelmente uma morte monótona para si mesma: tornou-se senso comum, derivativa, rasa. De repente, vocês aparecem, alguns dos melhores talentos que existem hoje em dia, e agora temos uma nova vida, um novo começo. E sobre o meu papel no projeto BLADE RUNNER, só posso dizer que nunca havia imaginado que um trabalho meu – ou um conjunto de ideias minhas – poderia ser elevado a dimensões tão inacreditáveis. Minha vida e meu trabalho criativo estão justificados e completos graças à BLADE RUNNER. Obrigado… e será um tremendo sucesso comercial. Provará-se invencível.

Cordialmente,

Philip K. Dick

Por Alexandre Matias, Blog do Link

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