Pode-se
dizer que Arraial do Cabo é uma região privilegiada em termos de
biodiversidade marinha. É o único ponto no país onde ocorre o fenômeno
da ressurgência, que, no verão, faz emergir das profundezas correntes de
águas frias, repletas de nutrientes. Como a região permanece
relativamente intocada e é de interesse para pesquisas, foi criada ali a
Reserva Extrativista Marinha de Arraial do Cabo, onde só é permitida a
pesca de canoa, ou dos barcos de pescadores locais. Isso, no entanto,
não tem evitado a introdução de espécies exóticas, como os corais
Chromonephthea e Tubastraea, este último popularmente conhecido como
coral sol. Uma outra espécie exótica, o ofiuróide Ophiothela, vem
sistematicamente colonizando as gorgônias orelhas de elefante, outra
espécie de coral, endêmica da costa brasileira e considerada ameaçada de
extinção.
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| Na área pesquisada, o hidrocoral Millepora alcicornis cresce sobre a gorgônia Phyllogorgia dilatata
(Felipe Ribeiro / UFF)
|
Monitorando
essas espécies invasoras, o biólogo Bernardo Perez da Gama, do
Departamento de Biologia Marinha, da Universidade Federal Fluminense
(UFF), alerta para a competição por espaço com as espécies nativas, para
a possível redução de diversidade marinha que isso representa e os
consequentes prejuízos à pesca comercial. Em seu projeto, desenvolvido
com recursos do edital Jovem Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ, pelo
menos alguns invasores importantes vêm sendo alvo de acompanhamento: o
coral Millepora alcicornis; a Tubastrea, de esqueleto calcário, também
chamado coral sol por sua cor amarelo forte, e seu enorme potencial para
dispersão; e Chromonephthea, um coral mole, que por enquanto tem se
mantido relativamente confinado a poucas áreas; e Isognomon bicolor, uma
espécie de ostra que já está estabelecida na região entremarés – que
permanece submersa durante a maré alta – e é bastante difícil de
erradicar; ou ainda Ophiothela, um ofiuróide (tipo de equinodermo
similar a uma pequena estrela do mar amarela), que parece agir em
colaboração com o coral nativo Millepora alcicornis para a colonização
da gorgônia orelha de elefante.
"Precisamos
monitorar o comportamento dessas espécies exógenas e, sempre que
possível, evitar que elas cheguem e se estabeleçam em Arraial." Segundo o
pesquisador, o Isognomon, por exemplo, vem competindo com o mexilhão,
que é uma espécie comercial importante para os pescadores da região.
"Hoje, a densidade desse invasor está mais baixa do que há alguns anos.
Mas a espécie está estabelecida por aqui há 15, 20 anos e era bastante
abundante em toda a área de costão. Não se sabe, porém, exatamente o que
aconteceu para reduzir sua presença. Talvez tenha sido alvo de algum
patógeno ou de um verão extremamente quente, que tenha elevado
demasiadamente a temperatura das águas, a um ponto intolerável para a
espécie. Com isso, sua densidade ficou bastante reduzida, mas precisamos
evitar que ela prolifere novamente", fala.
Como
explica o pesquisador, invasores como o Tubastraea, por exemplo, já são
consideradas espécies estabelecidas em Angra dos Reis e na Ilha Grande.
"Isso porque, como seus ovos fertilizados são dispersos nas águas e
levados pelas correntes, isso significa um potencial enorme para se
espalhar rapidamente.
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Invasora Millepora avança sobre gorgônia brasileira (à esquerda)
|
A
Chromonephthea, ao contrário, tem sido limitada por sua forma de
reprodução assexuada, que faz com que se espalhe apenas em pontos
restritos em seu entorno." O que também tem impedido uma maior
proliferação de espécies exógenas tem sido a ação dos peixes. Como o
fenômeno da ressurgência torna toda aquela região abundante em pescado, e
com as limitações impostas à pesca comercial, os peixes que ali se
reproduzem se tornam importantes predadores das espécies invasoras.
"Eles terminam exercendo uma forma natural de controle, fazendo com que
essas espécies se mantenham apenas dentro dos limites do porto do Forno,
e promovendo um relativo equilíbrio na reserva", esclarece.
Para
confirmar esse papel de controle dos peixes sobre os invasores, Perez
da Gama e equipe fizeram um experimento, levando placas com incrustação
de espécies da baía de Guanabara a um ponto controlado de Arraial do
Cabo e levando uma placa incrustada com espécies de Arraial a um ponto
da baía de Guanabara. "Em Arraial, pudemos observar como a comunidade de
peixes consome seletivamente as espécies invasoras. Mas na baía da
Guanabara, como o ambiente já é muito invadido e a poluição orgânica
favorece a bioincrustação de organismos filtradores, como ostras e
mexilhões, a ação dos peixes predadores não é tão perceptível. Até
porque, como as águas poluídas se tornam muito escuras, eles têm
dificuldade de perceber visualmente as espécies exógenas."
Segundo
o pesquisador, tudo isso confirmou a importância da pesca controlada em
Arraial do Cabo, como forma de se manter o equilíbrio da biodiversidade
local. "A própria existência da reserva é fundamental para evitar que
essas e outras espécies invasoras se estabeleçam." Para Perez da Gama, é
possível dar continuidade a aspectos preventivos, com algumas medidas.
"Como o porto do Forno é o único acesso marítimo para grandes
embarcações em Arraial, é preciso evitar-se a entrada de navios com uma
quantidade elevada de bioinscrustação na parte submersa do casco,
especialmente agora que a exploração de petróleo e gás vem
possibilitando o trânsito de um maior número de embarcações em suporte a
essas atividades."
Como
explica o pesquisador, é preciso manter a fiscalização tanto nas
embarcações que por ali transitam quanto para o controle da pesca.
"Reduzir as comunidades de pescado a níveis mínimos, mantendo-as sob o
estresse constante de uma redução ainda maior, significa também perder o
controle natural de invasores e permitir que eles proliferem. Na conta
final, significa também reduzir a biodiversidade local e promover
modificações naquele ecossistema com consequências difíceis de prever.
Os únicos resultados certos da falta de controle são os prejuízos
comerciais e sociais para toda essa região", conclui.
Fonte: FAPERJ/UFF/ Vilma Homero


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