VENEZA – O cineasta Júlio Bressane, símbolo do cinema independente brasileiro, volta ao universo literário de Machado de Assis para reavivar a repulsa das pessoas a ratos e esqueletos no filme “A Erva do Rato”, apresentado hoje no Festival Internacional de Cinema de Veneza.
Apresentado na seção Horizonte, “A Erva do Rato” é um filme exigente, apreciado após ser visto e que faz o público sofrer durante a exibição. Em entrevista coletiva, Bressane explicou que “não é uma adaptação de Machado de Assis, mas é uma tradução em imagens de seu espírito”.
A base literária do roteiro são dois contos do escritor, “Um esqueleto” e “A causa secreta”. Apesar disso, ”há poucas linhas deles no filme”, afirma Bressane, embora tenham sido feitas várias referências a ratos e os esqueletos, “as duas coisas que, em toda a história da arte e do homem, sempre provocaram repulsa”. Este “jogo semiótico” é protagonizado por Selton Mello e Alessandra Negrini, com quem o diretor já trabalhou em “Cleópatra” (2007).
O filme tem uma primeira máscara, nas palavras de Bressane: a literária. Com ela, é possível recuperar a qualidade de Machado de Assis (1839-1908) para “reinventar a língua portuguesa, com novas linhas formais e estruturas”, que resultam em uma narrativa cinematográfica insólita.
“A Erva do Rato” – o único veneno que não tem antídoto, segundo o filme –, começa em um cemitério no qual duas pessoas, cujos nomes são apenas Ele e Ela, se conhecem e são condenadas a ficarem juntas para sempre. A mulher se submeterá a partir de então ao homem na dura tarefa de transcrever as histórias que lhe conta e que encherão centenas de cadernos que consumirão sua energia.
A palavra protagoniza “A Erva do Rato” à primeira vista, mas “após esta primeira máscara há outra: a luz”, diz o diretor. Desta forma, as referências pictóricas aparecem ao redor da pintura de Edouard Manet (1832-1883) e, especialmente, do quadro “O almoço sobre a relva”, que impulsionou o Impressionismo, apesar de seu autor renegar o termo. “Fala da percepção e do desenvolvimento da luz. A luz é um processo químico e está antes dos atores e das cenas”, disse.
Julio Bressane, que é co-editor do filme junto com Rosa Dias, começou sua carreira em 1966 com o curta “Lima Barreto - Trajetória” e logo surgiu como um dos protagonistas do Cinema Novo brasileiro, onde desenvolveu uma carreira marcada por uma linguagem experimental, ritmo pausado e clara tendência estética.
Em 1985, realizou uma adaptação de Machado de Assis chamada “Brás Cubas”. Entre seus últimos títulos se destacam “Miramar” (1997) e “Dias de Nietzsche em Turim” (2001).
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