“Não consigo pensar em vampiros” 1/2010 - 14:24 - Atualizado em 14/11/2010 Anne Rice

Brian Smith
Famosa por seus livros de terror nos anos 70 e 80, a escritora fala sobre a fé e o novo tema de seus livros: os anjos
Danilo Venticinque

QUEM É
Escritora americana, nasceu em 1941em Nova Orleans, onde vive até hoje

O QUE FEZ
Depois de ganhar fama escrevendo sobre vampiros, adotou temas religiosos

O QUE PUBLICOU
É autora de mais de 30 livros, entre eles Entrevista com o vampiro (1976), adaptado para o cinema em 1994

Se os fãs do vampiro Lestat decidirem ler o novo livro de Anne Rice, a reação inicial deverá ser um choque. Não porque a autora de Entrevista com o vampiro tenha inventado um personagem ainda mais assustador que suas criaturas sedentas de sangue, mas porque parece ter se transformado em outra escritora. Sem terror, Tempo dos anjos (Rocco, 288 páginas, R$ 34,50) narra, entre trechos bíblicos e orações, a história de um matador recrutado por um serafim para cumprir uma missão celestial. Desde que se converteu ao catolicismo, em 2005, a autora se dedica a temas religiosos. Apesar de ter anunciado seu afastamento da religião em julho, ela mantém o plano de transformar a história em uma trilogia e afirma que não voltará a escrever sobre vampiros.

ÉPOCA - Por que os vampiros, que você ajudou a popularizar, estão perdendo espaço para os anjos?
Anne Rice – Há muitos livros sobre anjos nos Estados Unidos. Eles nunca saíram de moda. Estão em cartões, enfeites, pinturas e na decoração de Natal. As pessoas se sentem atraídas pela beleza e pelo mistério deles. Mas os livros sobre vampiros continuam a crescer. Novas histórias e novos autores que escrevam sobre eles vão ter espaço por muito tempo. Não esperava que eles se tornassem tão populares: para mim, é um motivo para sorrir.

ÉPOCA - Por que a senhora deixou de escrever sobre vampiros?
Anne – Eu parei porque tinha acabado. Escrevi 12 livros sobre vampiros e não consigo mais pensar em nada para escrever sobre eles. Tudo está feito. Eu me diverti muito, e os romances foram uma jornada espiritual longa e complicada, mas acabou. Já escrevi o bastante sobre Lestat e seus colegas.

ÉPOCA - Não sente falta de Lestat?
Anne – Não, não sinto. Adorei escrever sobre ele e com ele, e ele sempre será uma espécie de companheiro de viagem, mas não sinto falta. Espero vê-lo no cinema mais vezes nos próximos anos.

ÉPOCA - Escrever sobre anjos é muito diferente de escrever sobre vampiros?
Anne – A maior diferença é que os anjos são bons. Os anjos são seres celestiais, bons em sua essência, e estão na Terra para fazer o bem. Claro, há os anjos caídos, e esses são o contrário: são totalmente ruins. Os vampiros ficam no meio do caminho. São monstros com forma humana, metade bons e metade ruins. Os anjos estão do lado de Deus.

ÉPOCA - Quando a senhora decidiu escrever uma trilogia sobre eles?
Anne – A trama de Tempo dos anjos e da trilogia, que se chama As canções do serafim, surgiu há vários anos. Eu queria explorar essa ideia de um humano recrutado por anjos para trabalhar por eles e cumprir uma missão na Terra. Tenho brincado com essa possibilidade há algum tempo.

ÉPOCA - Sua conversão ao catolicismo, em 2005, influenciou muito os temas de seus livros?
Anne – Sim, a ideia da trilogia deve muito a meu retorno à fé. Eu passava muito tempo meditando, de verdade, sobre o que significaria ser um anjo, um ser que vive ao lado de Deus e não é afetado pelo conflito constante entre o bem e o mal. São espíritos puros, que se movem em um piscar de olhos e descem a nosso planeta para nos ajudar em nome de Deus.

ÉPOCA - Em julho deste ano, a senhora anunciou publicamente que se afastaria da religião por discordar da postura católica contra a homossexualidade e o uso de contraceptivos. De que forma isso vai afetar seu plano inicial para a trilogia?
Anne – Agora que abandonei o cristianismo, meus livros sobre anjos vão evoluir de maneira diferente ao longo do tempo. Vai ser interessante, de certa forma. Estou mais livre para discutir as dúvidas do matador, Toby O’Dare, sobre sua própria conversão ao cristianismo e sua experiência com anjos. Mas não mudaria o que escrevi no primeiro livro, e quero continuar a escrever sobre a fé em Deus. Ainda vivo em um universo cheio de fé.

ÉPOCA - Em Tempo dos anjos, o protagonista encontra um anjo durante uma crise de fé. A senhora diz que a história já estava planejada, mas isso não é uma referência a sua vida recente?
Anne – Sim, quando escrevo sobre ele, estou escrevendo sobre mim, de certa forma. A maneira como retrato o personagem é uma revisão de elementos de minha própria vida. Eu estava tendo dificuldades para definir minha própria conversão. Gosto muito de Toby. Quero me aprofundar muito nesse personagem ao longo do livro.

ÉPOCA - Suas declarações contra o catolicismo só vieram depois que o primeiro livro da trilogia foi lançado. Em algum momento a senhora pensou em interrompê-la?
Anne – Eu fiz uma pausa agora para escrever outro livro: será sobre imortais que vivem em nosso planeta desde os tempos de Atlântida, na Antiguidade. Mas quero voltar para a trilogia e escrever a última aventura de Toby assim que terminar este livro.

ÉPOCA - Seu afastamento do catolicismo vai mudar o destino dele?
Anne – Acho que não muito. Malchiah vai continuar sendo um serafim poderoso e comprometido com Deus.

Mas talvez Toby tenha de lidar com questões incômodas, não só sobre ele como sobre outras entidades envolvidas na história. No segundo livro da trilogia ele encontra seu anjo da guarda. Talvez seja cedo para dizer o que vai mudar. Os romances evoluem, assim como a fé evolui. Nossa jornada espiritual sempre vai nos levar para novos lugares. Nós, escritores, precisamos fazer com que nosso trabalho seja um reflexo de nossas obsessões. Do contrário, nosso trabalho não será bom.

Fonte: época na integra

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