Fome faz cidades na Espanha trancarem lixeiras
NYT diz que Espanha tranca o lixo por conta da fome da população
Luciano Pádua
A Espanha, que vive um dos piores momentos desde a Segunda Guerra Mundial, voltou a assistir a manifestações públicas nesta quarta-feira (26). Não é para menos. Assolada em uma crise econômica e social, sua população convive com uma taxa de desemprego que beira 25%, número que cresce para 50% entre os jovens. Ao mesmo tempo, o governo de Mariano Rajoy já se comprometeu com as medidas de austeridade exigidas pelo Banco Central Europeu (BCE) e a Alemanha que podem piorar ainda mais este quadro.
Nesta quarta-feira (26), quando o primeiro ministro espanhol, Mariano Rajoy, foi a Nova York participar da Assembleia Geral da ONU, curiosamente o jornal americano New York Times publicou notícia de capa intitulada "A austeridade e a fome na Espanha". Na matéria, ilustrada pelo fotógrafo catalão Samuel Aranda, fica exposto o panorama desolador do país. Segundo a reportagem, tantas pessoas estavam revirando o lixo para aproveitar restos que algumas cidades espanholas instalaram cadeados em suas lixeiras para evitar problemas de saúde.
Manifestação levou 6 mil pessoas às ruas em Madri na terça-feira (25)
Ainda de acordo com o periódico norte-americano, um relatório da ONG católica Caritás revelou que a instituição alimentou quase um milhão de espanhóis em 2010, número duas vezes maior do que em 2007. Em 2011, o dado aumentou em 65 mil.
Ao contrário das manifestações de terça-feira (25), quando cerca de seis mil pessoas foram às ruas do entorno do Congresso, em Madri, e o protesto descambou para a violência, resultando em 35 pessoas Manifestação em Madri leva milhares às ruas e confrontos com a polícia
As causas dos protestos - a política econômica que aumenta a crise, tendem a continuar. Em um novo comunicado, o Banco Central espanhol apontou para um prolongamento da austeridade e da recessão. "Dados disponíveis para o terceiro trimestre do ano sugerem que o Produto Interno Bruto (PIB) continuou caindo a uma taxa significativa, num contexto de altas tensões financeiras", afirmou o relatório mensal da entidade financeira.
Orçamento
Segundo a agência EFE, o governo espanhol apresentará na quinta-feira (27) o projeto de orçamento para 2013. A expectativa é de que o documento venha repleto de novos cortes, que podem chegar a 40 bilhões de euros. No orçamento constará previsões de gastos da ordem de 38 bilhões de euros para o pagamento dos juros da dívida.
Outra previsão sombria, segundo prevê o jornal El País, é de que os salários dos servidores públicos da administração central do Estado em 2013 permanecerão congelados pelo governo. Estes servidores não recebem reajuste salarial desde 2010. Com isso, aumentará a perda do poder aquisitivo.
"Sinuca de bico"
Segundo Victor Leonardo Araujo, professor de economia internacional da Universidade Federal Fluminense (UFF), a Espanha está em uma “sinuca de bico”. Para ele, a única forma de a economia espanhola ter perspectiva de recuperação é reavendo o controle dos gastos públicos.
“Em um país com taxa de 25% de desemprego, o emprego público poderia ser uma solução. No entanto, a necessidade de um pacote de austeridade fiscal, que impacta negativamente nos empregos públicos, gera uma bola de neve. Estou sendo redundante, mas qualquer pacote de austeridade é, por natureza, contracionista. Para o PIB se recuperar com isso, é preciso que outras componentes da demanda agregada aumentem”, analisa.
De acordo com o professor, dentro desse cenário, os investimentos, naturalmente, se retraem. Assim, sobra apenas a componente das exportações, da qual o país não tem tradição no mercado mundial. "Com isso, a economia se retrai, a arrecadação diminui e o governo precisa anunciar nova rodada de cortes de gastos", completa.
Araujo questiona como aumentar os gastos do Estado quando a Espanha não pode emitir dívida em sua própria moeda, por fazer parte da zona do euro. "Não é um problema de gasto, porque o país se endividou e essa dívida está em uma moeda que ele não emite. Esse é o problema de Espanha, Grécia, Portugal, entre outros”.
Para o economista, a forma de se sair desta situação talvez esteja em um arranjo financeiro do Banco Central Europeu com os países em crise. "A única solução que vejo é alguma engenharia financeira de modo a devolver à Espanha a capacidade de fazer gasto público. Não sei se é viável esse tipo de arranjo, mas a componente do gasto público é fundamental e qualquer solução precisa passar por ela", opina.
Redução dos benefícios sociais
Para o professor de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-RJ), Fernando Padovani, as manifestações que têm ocorrido na Espanha são reflexo de 40 anos de cultura do estado de bem-estar social.
Segundo ele, as populações europeias, naturalmente, resistem a perder benefícios sociais conquistados. Contudo, esse modelo deve acabar. “Esse é o início de um longo e doloroso processo de mudança para União Europeia. Trata-se de uma economia envelhecida, cara, com muitos impostos, com baixa produtividade e fuga de investimentos que competem com os emergentes”, afirma.
fonte: Luis Nassif Online
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